Desde ontem, tenho verificado nas redes sociais e nas conversas de "café", uma série de elogios ao facto da Jerónimo Martins pagar a 500% aos funcionários do Pingo Doce que trabalharam o feriado do dia 1 de Maio, além de lhes ser também permitido a compra de produtos com o desconto de 50%. Foi como se, de repente, todos quisessem ser funcionários da Jerónimo Martins.
Vamos ao fundo da questão. Os acordos que o Pingo Doce faz com os seus funcionários, só dizem respeito à entidade patronal e aos empregados. A mim, pouco me interessa se a Jerónimo Martins paga o feriado a 500% ou se os seus funcionários têm descontos na compra de produtos. Se foram bem pagos, fico contente por eles, mas não me diz respeito. Aliás, não é muito difícil perceber que isto só se torna notícia e é divulgado, para amenizar os efeitos negativos que tiveram na imagem da empresa, as notícias e o "falatório" que se seguiram à tão propalada promoção do dia 1 de Maio.
O outro lado da questão é a promoção propriamente dita. Ninguém pode criticar a política comercial que a Jerónimo Martins segue, nem ninguém tem o direito de julgar as decisões de gestão da empresa, a não ser os seus próprios accionistas. Eu, como consumidor, só tenho decidir se compro ou não produtos no Pingo Doce. E, por isso mesmo, ninguém deve condenar os milhares de pessoas que se dirigiram ao Pingo Doce tentando aproveitar uma promoção que, na sua óptica, era bastante vantajosa.
Posto isto, eu como consumidor e, sobretudo, como cidadão, só posso e devo condenar aquilo que se passou naquele dia, porque, segundo a ASAE, parece que houve mesmo dumping e porque, segundo o Diário Económico de hoje, parece que quem vai pagar os custos da promoção, são mesmo os produtores. E isto é suficiente para, como cidadão, ficar preocupado e achar condenável o modo como operam as grandes empresas de distribuição. Numa cadeia de valor, que começa no produtor e que acaba no consumidor final, o lucro deve ser proporcional para todos e, sobretudo, repartido de uma forma justa. E isso, se dúvidas ainda houvessem, não acontece (e nem sequer era preciso este caso para atestá-lo). As grandes empresas de distribuição (e não é só a Jerónimo Martins), fazem o que querem dos produtores e dos seus fornecedores, "jogando" com o facto de qualquer marca ver como grande "montra" para os seus produtos estas grandes superfícies e que a ausência dos lineares das mesmas, signifique quase a "morte" destas mesmas marcas e, por outro lado, "jogando" com os produtores, que veêm nos hipermercados o local de maior fluxo de escoamento e venda dos seus produtos, trabalhando muitos deles, praticamente, em regime de exclusividade para as grandes empresas de distribuição. E, mesmo depois de tudo isto ter ficado provado, ficamos a saber que as multas para aqueles que vendem a baixo do preço de custo, quebrando as regras da concorrência saudável e da repartição justa dos lucros ao longo da cadeia de valor, são ridículas perante os proveitos que provêm deste tipo de práticas. Portanto, aqueles que ficaram muito impressionados com a percentagem com que a Jerónimo Martins pagou aos funcionários do Pingo Doce e com o desconto que os mesmos vão ter nos produtos da empresa, percebam que isso não lhes diz respeito. O que lhes diz respeito, como consumidores e (repito) como cidadãos, é saberem afinal, que a concorrência desleal existe no nosso país, que existem empresas completamente "reféns" das práticas de outras e que não têm qualquer margem de manobra para fazerem o que quer que seja e que, mesmo tudo isto sendo divulgado e provado, chegármos todos á conclusão que, afinal, o crime compensa.
Em relação aos consumidores que se deslocaram naquele dia ao Pingo Doce, não são dignos de crítica. Simplesmente, quiseram aproveitar o que lhes pareceu vantajoso. O que é preocupante, é que num país dito civilizado, terem surgido as situações de agressão e confrontos entre pessoas de forma a obter determinados produtos. Em tempos de crise, parece-me um sinal claro de que algo não vai bem na nossa sociedade. Quem agride e se confronta para obter um produto numa promoção, já não está lá, simplesmente, porque existe uma promoção. Está lá, porque precisa desesperadamente dela para sobreviver. E isto, são sinais que, na minha humilde opinião, merecem ser analisados com muita atenção.
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