sábado, 23 de março de 2013

O incendiário que opina sobre o ataque ao incêndio

Antes de mais e para que não restem dúvidas, José Sócrates, a par de Miguel Relvas, são, provavelmente, as personagens políticas que mais asco me provocam. Considero-os um belo retrato de uma certa geração de políticos profissionais, provenientes dos aparelhos partidários, com pouca ou nenhuma vontade de servir a causa publica e que, acima de tudo, se preocupam em manter o seu futuro garantido e, ao mesmo tempo, daqueles que constituem o núcleo dos respectivos partidos a que pertencem. O objectivo, mais do que qualquer outro, é o poder.

Portanto, se há personagens que eu gostaria de ver caladas e longe da vida pública e política, seriam estes dois seres e outros como eles (sim, há muitos mais). Contudo, prezo muito a democracia e a liberdade de expressão e sei que tendo em conta o princípio fundamental desta última, nem sempre podemos ouvir só aqueles que nos agradam e aqueles que consideramos os bons. E entre não ouvi-los ou ter uma democracia onde todos podem emitir a sua opinião livremente, eu prefiro claramente a última opção.

Faço questão de falar em liberdade de expressão, porque foi o principal argumento utilizado por aqueles que rejubilaram ou, simplesmente, não se incomodaram com o regresso de José Sócrates ao comentário televisivo e, acima de tudo, à vida política activa, pois é disso que se trata. Aliás, estou a faltar a verdade. Ele sempre esteve presente, Que o diga António José Seguro... Mas voltando à liberdade de expressão e tendo sido este argumento o mais utilizado por aqueles que ficaram incomodados com a indignação que se gerou com o regresso de Sócrates, parece-me a mim que este argumento não colhe e não faz sentido algum neste caso em particular. Primeiro que tudo, até mesmo Sócrates tem todo o direito de comentar o que lhe apetecer. É um facto. Mas sendo José Sócrates quem é e quem foi, certamente não precisa de ir para a RTP para comentar o que quer que seja. Tem imensos canais e meios à sua disposição e certamente que as suas palavras teriam um imenso eco no nosso pequenino espaço público. Portanto, o senhor que fale, que comente, que se defenda como bem entender. Emita comunicados, escreva no Facebook ou no Twitter ou até convoque conferências de imprensa. Mesmo que eu, como muito outros, não gostemos, ele tem todo o direito de o fazer.

A questão passa, acima de tudo e em primeiro lugar, pela "lata" do senhor. Alguém que é um dos principais responsáveis (não só ele, é certo) pelo estado a que o país chegou, que meses antes de pedir ajuda à Troika andava a falar em TGV's e aeroportos e que deixou o país falido, venha agora comentar as acções daqueles que o substituíram e que mal ou bem (muitas vezes, mal, também é um facto), tentam remediar o estado a que o Estado chegou. Tem tanto de irónico, como de ridículo e acima de tudo, se dúvidas houvessem, atestam bem da personalidade da personagem em questão.

A outra questão é ter sido a RTP a convidar o senhor para comentar. Pelos motivos que acima escrevi, a televisão pública, convidar o anterior primeiro-ministro para comentar a acção do actual, depois de ter sido o anterior primeiro-ministro a deixar o país no estado em que está, é, no mínimo, estranho. Será ético? Terá o senhor moral? Que terá audiências, eu não tenho dúvidas. Mas uma televisão de serviço público (que eu defendo), não deveria reger-se também por outros critérios? A funcionar deste modo, qual é a diferença para qualquer estação privada? Não terá a RTP, como televisão pública que é, assegurando sempre o devido e obrigatório contraditório, pensar em quem terá a mínima moral e ética para o fazer? Qual é o próximo passo? Pôr o Isaltino Morais, a comentar decisões judiciais? Ou preferem a Fátima Felgueiras? Vão colocar Vale e Azevedo como comentador benfiquista residente, num painel de comentário desportivo? Todas estas opções do ponto de vista do share televisivo, poderiam ser opções bastante válidas...

Houve quem referisse que o regresso de Sócrates, visa a defesa do próprio das acusações que têm sido feitas a ele e à sua governação. Mas ele regressa para comentar ou para se defender? É que são conceitos diferentes. Uma coisa é comentar e dar uma opinião, outra é defender-se de acusações que o visado considere injuriosas. Um comentador não está lá para defender-se, mas sim para comentar a actualidade. Nada mais. Para defender-se, tem outros meios e em último caso, tem os tribunais. A RTP contrata comentadores para defenderem o seu bom nome? A RTP contrata comentadores para defender o seu bom nome e, como a memória é curta, voltarem a ganhar credibilidade junto do eleitorado? É só disto que se trata e nada mais.

Haja vergonha e pudor.